domingo, 10 de maio de 2009

A DEFESA DA IGREJA HERETICISTA - parte III

b) Magistério Canônico sobre o julgamento de um papa por heresia

Honório foi condenado por heresia nas Profissões de Fé de três Concílios ortodoxos, por três papas ortodoxos: São Leão II, Adriano I e Adriano II, nos Concílios de Constantinopla III, Nicéia II e Constantinopla IV. Isso foi repetido por todos os papas posteriores da Idade Média na profissão de Fé "Fides Papae" (Ver "ROMA", nº's 113-115).

Não só o III Concílio de Constantinopla condenou a Honório por "seguir as falsas doutrinas dos hereges" (D.S. 550) e "confirmar ímpios dogmas" (D.S. 552). São Leão II o acusa de não ter "a doutrina da Tradição Apostólica" e porque "fidem subvertere conatus est" (D.S. 563). São Leão II confirmou a profissão de Fé do Concílio que coloca a Honório entre os hereges que "disseminaram a heresia". Adriano II repete o "anathematizamus" a Honório, contra aqueles "impiorum haeresiarcharum dogmata sectantes", pregaram a heresia.

Os deformadores do Magistério da Igreja, para a defesa de opiniões pessoais sobre a extensão da infalibilidade papal, fizeram todo possível para negar os fatos históricos. Levantaram suspeitas sobre os documentos, boa parte dos quais são latinos. Julgaram eles diretamente a Honório e o absolveram contra Papas e Concílios. Acusaram aos padres conciliares e aos legados pontifícios de Santo Agatão, dos quais um posteriormente tornou-se o papa João V. Colocaram o Concílio que aclamava Santo Agatão como contrário a ele. Assumiram a defesa de João IV, que inclusive seguia chamando Sérgio de "reverenda memória" e mudava os textos objetivos das cartas por intenções subjetivas contraditas pelos textos.

Chegou por fim a Fraternidade lefebvreana ("Sim Sim, Não Não", 15-11-1988) a condenar ao próprio São Leão II como "injusto" e "censurável" por deixar a Honório "nas sombras da heresia". O "princípio da imunidade judicial" do lefebvrista é pervertido por seu juízo sobre esses concílios e papas que o contradizem no sentido que ele pretende. Seriam esses Papas e Concílios ignorantes na doutrina da Fé? Quando faziam tais juízos em Profissões de Fé? O "Liber Pontificalis", o "Liber Diuturnus", as cartas de São Leão II, o Concílio Quinisexto e o Breviário Romano estão contra a "imunidade judicial" do teólogo lefebvrista.

c) O Juízo ao papa Libério.

O papa Libério não foi julgado por um Concílio mas foi julgado pelos Santos Padres da Igreja. ‘’Sanctus Hilarius illi anathema dicit: Anathema tíbi a me dictum, Liberi, et sociis tuis’’(D.S. 141). São Jerônimo o julgou ‘’in haeretica pravitate subscribens’’, ‘’ad subscrptionem haereseos’’ (K. 630-633). Santo Eusébio: ‘’coepit declarare Liberium haereticum’’(Kirch, 1050). Será isto a Tradição católica, ou estes Santos foram ‘’cismáticos’’ como pretende Mons. Lefebvre?

d) Juízo a papas cismáticos.

O Concílio de Sutri em 1046 julgou a Bento IX e a Silvestre III por simonia e nepotismo. Outro Concílio de Sutri em 1059 julgou e depôs Bento X eleito pela força. O Concílio de Constância, quatro séculos depois, julgou e depôs a João XXIII e a Bento XIII. Acaso violaram a "imunidade judicial" destes papas? E Bento XIII foi acusado não só de cisma, mas também de heresia: "a fide devium", os mesmos termos do Decreto de Graciano (37ª sessão).

Por conseguinte, a exegese lefebvrista é inepta. Papas suspeitos de heresia teve vários e nada se suspeita do [que seja] impossível e do que não é um fato.

II.3. É POSSÍVEL UM PAPA HEREGE.

A. É só uma "questão divergente".

Depois de desvanecer os limites visíveis entre um católico e um herege e de pretender impedir que um papa possa ser julgado por heresia ou cisma, destruindo assim a Fé, a Revelação e o Magistério, o ‘’teólogo’’ coloca o Hereticismo como algo não impossível. Na "hipótese" de se o papa pode ser herético, "os autores divergem" sobre se continua sendo papa ou se perde o cargo. Disse que ‘’Wernz-Vidal não são claros ao referir-se às relações entre a heresia e a condição de membro da Igreja’’. ‘’Sua exposição contém indecisões’’ (p. 13).

Agora bem, isto vai contra o Magistério claro da Igreja em quanto à ordem visível, exterior. É aqui aonde nos situamos. E, sem que vejamos se é verdade que Wernz-Vidal assim se expressaram, basta observar o Magistério de Pio XII: ‘’Na Igreja só são contados como seus membros [ii soli] os que, havendo recebido o Batismo, professam a fé verdadeira...’’(D.S. 3802). A tradição é claríssima a respeito. Qualquer Catecismo exige a profissão de fé para ser membro da Igreja. E a opinião solitária de Bouix de que o herege permanece papa "tem praticamente em seu contrário a opinião unânime da Igreja". É o mesmo Mons. De Castro Mauer que o afirma (p. 251). O contrário é "bastante improvável", afirma São Roberto Bellarmino (p. 246).

Mas é esta a sentença de Mons. Lefebvre e atualmente parece ser também a de Dom. Mayer, pois depois de 25 anos de heresia pública ‘’não julgam’’ ao papa como herege, como pertinaz no erro, publicamente. E chega Dom Mayer a ensinar: "Nós não ligamos de uma maneira absoluta (...) a perda efetiva do papado à perda da condição de membro da Igreja" (p. 280). A incompatibilidade entre heresia e jurisdição ‘’não é absoluta’’. ‘’Está em função das circunstâncias’’ (p. 280), é ‘’casuística’’ (p. 281). Relativizam as leis universais sobre delitos contra a fé. Injuriam a Tradição e ao Magistério de Leão XIII: ‘’Cum absurdum sit opinari qui extra Ecclesiam est, eum in Ecclesia praeesse’’ (Satis Cognitum). Existiriam duas ‘’maneiras’’ de ser papa, indiferentemente... católico ou herege.

Por tanto, reduzem a Tradição e a autoridade das leis da Igreja a opiniões iguais às suas, subordinadas às suas, contraditas por ‘’suas’’ divergências contra o Magistério. Se fossemos a classificar de ‘’opiniões divergente’’ todas as leis da Igreja, atuais ou do passado, todos os ensinamentos da Igreja, só porque alguém se lançou contra elas, nada cairia na Igreja [nenhuma doutrina dela cairia, N.T.].

B. As leis da Igreja não impedem um papa herege.

I. Omissão das leis da Igreja.

O ‘’teólogo’’ lefebvrista examina o Cânon 2314 e o 188. Mas deixa de lado todos os demais cânones: os que definem o herege, os que retiram os direitos de uma pessoa dentro da Igreja por óbice ou impedimento, os que falam sobre cargos de direito divino. Especialmente, os demais cânones sobre ‘’delitos contra a fé e unidade da Igreja’’. Aqui, em especial, não abre a boca sobre o Cânon 2315 que obriga a todos: ‘’deve ser tido como herege’’ quem, depois de admoestado, não faz desaparecer as causas de suspeita sobre ele. Então, a exegese dos dois cânones peca pela base.

a) Cânon 2314.

A argumentação lefebvrista é a seguinte: Este Cânon não fala da perca do cargo ‘’ipso facto’’ por heresia pública. O ‘’certo’’ é que o herege público deve ser deposto. Mas, pelo Cânon 1556 o papa não pode ser julgado: o Direito Canônico não fala de deposição papal. Uma sentença declaratória é impossível, pois implica em prévio julgamento do papa. Logo, não perde o cargo.

Agora bem, Dom Mayer já havia omitido em sua exegese o n. 1 n. 1 e o n. 1 n.3 desse Cânon. O teólogo lefebvrista faz a mesma omissão. O n.3 estabelece: ‘’firmo praescripto Can. 188 n. 4’’. E este Cânon fala de ‘’ipso facto’’ em quanto a vacância, assim como o Cânon 2314 fala de ‘’ipso facto’’ em quanto a excomunhão e infâmia. E fala de ‘’sine ulla declaratione’’. E isto é de Direito divino, pois Inocêncio III infere o juízo de um papa das palavras de Cristo (Jo. 2,18): Quem não crê, ‘’já se mostra como julgado’’. E São Paulo agrega: ‘’condenado pelo juízo próprio’’ (Tit. 3,10).

Por conseguinte, os ‘’teólogos’’ da Fraternidade rechaçam a autoridade divina, subtraindo-a, cambiando-a por coisa meramante humana, ‘’ab-rogando-a’’ como quer o ‘’professor de teologia’’ de La Reja. O Apocalipse retira da vida eterna a quem faz tais ‘’diminuições das Escrituras’’ (Ap. 22,19). Não querem ver.

* * *

Desta subtração das leis da Igreja conclui o ‘’mestre’’ de Teologia que: ‘’por causa da excomunhão’’ uma pessoa deixa de membro da Igreja. Mas que nem ainda por isso perde seu cargo. Isso porque a incompatibilidade entre heresia e jurisdição ‘’não é absoluta’’, e por tanto, a heresia ‘’não elimina ipso facto e necessariamente a jurisdição’’. ‘’Enquanto não ocorra da deposição’’ (a qual ‘’só em aparência’’ escapa à imunidade judicial do papa), ‘’o herege e excomungado gozará de uma jurisdição válida, título precário, ainda que não possa exercê-la licitamente’’. A heresia elimina ‘’o fundamento da jurisdição’’, mas não a jurisdição mesma (p. 13). Elimina a condição de membro da Igreja, não o poder. Até aqui o ‘’teólogo’’. Nega o cânon 188, n. 4!

Agora bem, não se apresenta a citação dos ‘’autores que divergem’’ aqui do Magistério da Igreja. O ‘’mestre’’ de La Reja copia a Dom Mayer, sem nem sequer dizer o que faz. Então, os prelados são guias de si mesmos, são ‘’os autores’’ de suas doutrinas contra o que Leão XIII chamou ‘’absurdo’’, contra Inocêncio III que prova o ‘’fides mihi necessária est’’. Os prelados ensinam que não é necessária: ‘’não é absoluta’’ essa necessidade. Ela é o fundamento da jurisdição, mas ‘’sublata causa non tollitur effectus’’ [Acabada a causa não se acaba o efeito]. Vão contra a Metafísica. A contradição de que um herege, queira ou não queira, ao mesmo tempo e baixo o mesmo aspecto, os poderes sobrenaturais delimitados e definidos pela fé, é algo que estes ‘’teólogos’’ julgam possível: ‘’ab-rogam’’ não só o Direito divino (Jo. 3,18 – 1 Cor. 2,15), mas também a Ontologia e o princípio de não contradição das coisas.

A possibilidade metafísica, absoluta, de que Deus pode ter feito outra Igreja governada por alguma mula de Balaão, não é o que se discute.. Se trata da incompatibilidade física entre ser papa e não aderir a fé que define a existência e o poder papal. Nem sequer poderia Deus fazer a um papa qual a mula de Balaão, mera causa instrumental, e que fora herege público: Deus seria autor da heresia.

Se se coloca uma mera incompatibilidade moral no caso, a fé seria algo de mera conveniência para ser papa e então o herege poderia ser eleito papa e jamais perderia o cargo. Em que se basearia, pois, a ‘’possibilidade’’ de que Cristo mantenha a jurisdição em um herege? Em nada. Na ‘’prudência’’ pessoal dos dois Bispos contra prudência das leis divinas e da Igreja. Convertem a jurisdição ‘’ordinária’’ em delegada e habitual contra o Magistério do Vaticano I. Convertem a ‘’aplicação humana’’ do poder papal (Santo Tomás 2-2, 39,3), móvel, recebido por ‘’aceitação’’ e possível de ser perdido por ‘’renúncia’’, em uma aplicação permanente e imóvel por Direito divino, como o poder de ordem. Confundem ilicitude com invalidez, poder de jurisdição com exercício fático do poder de ordem.

b) Cânon 188.

Depois da inepta exegese do Cânon 2314, com sua falsa doutrina da ‘’imunidade judicial’’ do papa, ‘’por este motivo, ao comprovar a grande dificuldade, não só em provar a caída em heresia do Sumo Pontífice, senão também em demonstrar que por isto [pela heresia] haveria sido deposto, alguns autores intentam aplicar ao caso o Cânon 188, n. 4.’’ (p. 13), disse o lefebvrista.

Então, a ‘’causa’’ da aplicação da lei da Igreja é a ‘’dificuldade’’ subjetiva de ‘’alguns autores’’ em saber se um papa é ou não é católico, e em saber se, sendo não católico, perde o cargo. Agora bem, tal causa é tão inepta que, se valesse para o Cânon 2314, valeria também para o Cânon 188, n. 4. Se converta a ‘’aplicação’’ da lei da vacância a uma função subjetiva da ignorância de ‘’autores’’...

Se repete aqui a exegese inepta do Direito e da doutrina da Igreja. São quatro pontos que alegam para não aplicar também o Cânon 188 e defender assim o Hereticismo permanente, aquele mesmo que o próprio Dom Mayer afirmou que: ‘’a pratiquement contre elle la tradition unânime de I’Eglise’’ (p. 251). Eis aqui a que espécie de ‘’tradicionalismo’’ chegaram: negam ao Direito Público da igreja; o pervertem infielmente.

II. Hereticismo, sim; apostasia, não.

Argumenta o ‘’professor’’ de Teologia lefebvriano: ‘’Há atos cuja realização voluntária implica (...) o animo de renunciar, e que oferecem oportunidade ao mesmo direito para que aceite a renuncia’’ (p.13). Assim na ‘’interpretação correta e desapaixonada’’ do Cânon 188 a ‘’defecção pública na fé’’ não significa delito de heresia, mas sim de apostasia, ‘’abandono completo’’ e ‘’total’’ da fé (p.14). Isso porque o Canon 1325 n. 2 define a apostasia como: ‘’a fide christiana totaliter recedit’’. E o Cânon 2314, 3o havia de dar o nome a uma seita acatólica ou aderir publicamente a ela. Agora bem, - raciocina o ‘’teólogo’’ – este Cânon impõe a pena ‘’contra a vontade’’ do herege. Logo, o Cânon 188 significa a perda do cargo por ‘’ato voluntário’’, ‘’vontade de renunciar’’. Esta vontade se manifesta de modo tácito só nos demais casos do Cânon 188. Mas, neste caso de ‘’defecção na fé’’, a ‘’vontade de renunciar’’ não se manifesta pelo delito de heresia, senão somente pelo delito de apostasia. Nada pode declarar a renúncia do herege público sem que ele mesmo manifeste ‘’vontade de renunciar’’. ‘’Essa vacância deveria poder ser verificada por todo católico, por muito inculto que fosse. Entretanto essa demonstração não pode ser realizada por todo fiel de boa vontade, não podemos afirmar que nos encontramos no marco do Cânon 188.’’(p. 14). Muda-se o cânon. Muda-se o delito.

O autor supõe que a vontade pertinaz de heresia ou cisma não inclui a vontade de se excluir da Igreja ‘’suapte natura’’, isso é, ‘’pela natureza mesma’’ do delito. Vai contra Pio XII (Mystici Corporis). Separa a vontade de heresia ou cisma da vontade de se excluir da comunhão da fé. Supõe que na Igreja podem existir hereges e cismáticos. Só não admite apóstatas. Supõe a Igreja hereticista, ecumênica. Não sabe qual seja a ‘’natureza’’ do delito. O Cânon 2314 impõe pena ‘’ipso facto’’ pelos três delitos, queira-o ou não o delinqüente. O Concílio de Florença exclui da Igreja pelos três delitos. Pio XII ‘’separou’’ da Igreja pelos três delitos: heresia, apostasia, cisma.

Então, nosso ‘’mestre’’ em Teologia supõe que Lutero e Ario não estariam impedidos de ser eleitos papa e que si já o fossem não perderiam o cargo. Supõe, com os jansenistas, que é necessário um ‘’exame pessoal’’ do delinqüente contra o que ensinou Pio VI sobre as sentenças ‘’ipso facto’’ (D. 1547). Supor que o feito causador da perda do cargo não é o delito em sí, de heresia ou cisma. Vai contra o Direito divino que fala do ‘’haereticum hominem’’ como condenado (Tit. 3,10) e contra Cristo que afirma que já está condenado simplesmente ‘’quem não crê’’(Jo. 8,18)

A que ponto baixou a Teologia nos Seminários lefebvrianos! Depois disto, nosso Professo de Teologia deveria ser deposto sumariamente por defender o hereticismo livre dentro da Igreja. O pior é que ambos os bispos aderem a Igreja ‘’imperfeita’’.

III. Sem notoriedade não há juridicidade.

Outra inépcia contra o Cânon 188 é a noção de juridicidade dos delitos. Se não foram ‘’notórios e publicamente divulgados’’ os delitos públicos não tem juridicidade ‘’consumada’’ e por tanto não têm efeitos jurídicos. Mas qual é o ‘’grau’’ de notoriedade para a existência da juridicidade do delito? "Os autores", segundo eles, apelam a uma ‘’casuística extensa e complicada’’, segundo as circunstancias, ‘’a insuficiência de notoriedade’’ do delito sendo a causa pela qual o herege público continua sendo papa válido. E pergunta: ‘’quem emitirá o juízo sobre a matéria e formalidade de sua heresia?’’(p.13). Não responde.

Agora bem, segundo tal ciência ‘’jurídica’’ de Dom Mayer, copiada mecanicamente pelo Professor do Seminário, a maioria dos delitos do mundo não tem ‘’juridicidade consumada’’, já que não são delitos ‘’notórios’’ de fato. Sucede que jamais um advogado de defesa no Direito Penal alegou tal argumento para provar a inocência de seus clientes. Se a Igreja é uma sociedade visível, ela julga coisas manifestas objetivamente e não segundo a notoriedade do fato ante o ‘’grande público’’, sem leis universais e só segundo a ‘’casuística’’.

E nosso teólogo, como vimos, quer que todos, até os mais incultos, possam comprovar com sua falta de ciência, democraticamente, a vontade de separar-se da Igreja. Eis aqui a contradição de quem nega o juízo ao papa por ‘’imunidade judicial’’ (p. 13) e afirma o juízo popular sobre ele por ‘’todo fiel de boa vontade’’ (p. 14). Ele é de má vontade!

Mas, ‘’quem julga’’ a formalidade da heresia? A interrogação fica sem resposta. Nenhuma definição legal de delito exige a notoriedade fática do mesmo para ser um fato [feito] jurídico. Nosso ‘’jurista’’ confunde fato jurídico, que se enquadra na definição de um conceito de delito, com ‘’ato’’ jurídico para o qual a lei determina certa forma condicionante para dar-lhe validez ( ex. casamento, testamento...). Tal doutrina, fora ser uma aberração jurídica, vai contra a doutrina de Pio VI sobre o ‘’efeito atual’’ das sentenças ‘’ipso facto’’, sem ‘’exame pessoal’’ do delinqüente. É ‘’injuriosa ao poder da Igreja’’. Anula as sentenças ‘’ipso facto’’ (D. 1547). É o que quer o lefebvrista.

IV. O Direito da Igreja vai contra o Direito Divino.

Tudo vale contra o Cânon 188, n. 4. A exegese extensiva da Oração de Cristo por Pedro já foi alegada para negar que o papa possa ser herege.

Agora, na hipótese concedida de que possa ser herege, volta essa exegese da Oração de Cristo para manter o herege no cargo. Bellarmino e seu fiel escudeiro Billot são chamados de novo para ajudar a nosso teólogo, só que agora contra o cânon 188, n. 4. O teólogo lefebvrista faz então falar a Bellarmino contra Bellarmino e a Billot contra Billot, por quanto ambos, ‘’na hipótese de que o papa possa ser herético’’ (apud Dom Mayer, p. 241) defendem sem vacilação a sentença da perda do cargo ‘’ipso facto’’, como a sentença ‘’justa’’.

Mas, nosso professor de La Reja, vai buscar a Bellarmino de novo na sentença ‘’não certa’’, e diz que, como os termos do Cânon 188: ‘’a fide catholica publice defecerit’’, são semelhantes ao do Direito divino ‘’ut fides tua non deficiat’’ (Lc. 22,32), por isso, segundo Billot, a infalibilidade papal ‘’se estende também por uma certa necessidade, a pessoa privada do Pontífice’’(p. 14). Assim, se exclui por ela inclusive a heresia oculta e interna como possível de coexistir com o cargo papal. É a exegese ‘’extensiva’’ dessa Oração, que o Vaticano I não ratificou.

Agora bem, Pio IX ‘’confirmou com a plenitude da autoridade apostólica’’ (D.S. 3112) a exegese do episcopado alemão sobre a Infalibilidade papal, não como extensiva, mas como ‘’restringida a propriedade do Magistério supremo papal’’ (D.S. 3116). E assim [da forma extensiva] a entendem inclusive os dois prelados ao admitir o Hereticismo, a Igreja ‘’pecadora’’ e ‘’imperfeita’’. E o mesmo ‘’teólogo’’, ao admitir papas que ‘’aceitam uma formula não totalmente ortodoxa’’ (p. 15), se contradiz, pois nega nominalmente o herege pertinaz no erro, ao que de fato admite a afirmar que a heresia não retira a jurisdição.

’Nada pode beneficiar-se de sua malícia’’ disse o Direito, usando ora a ‘’extensão’’ da infalibilidade contra este Cânon, ora a não extensão da mesma para afirmar o Hereticismo. Só o Modernismo tem dupla face. Há contradição entre ser herege público e confirmador público da fé; mas, não existe incompatibilidade ente herege oculto e fiel publico. Estamos somente na ordem visível e manifesta da Igreja. Nela é contradição ser herege público e confirmador na fé.

‘’Quousque tendem abutere patientia nostra?’’ Que ‘’Igreja’’ é está que coloca o Direito Público tradicional e infalível do Cânon 188 contra o Direito divino da Oração de Cristo? Que ‘’tradicionalismo’’ é este contra a Tradição? O ‘’juízo próprio’’ do herege prevalece sobre toda doutrina e lei da Igreja nesta verborragia destituída dos critérios da fé.

V. É possível um papa válido não ortodoxo.

Passando da péssima doutrina a interpretação de acontecimentos singulares concretos, o Professor de Teologia induz o seguinte:

a) Um papa ‘’pode favorecer a ruína da Igreja e a propagação da heresia, e inclusive aceitar uma forma não totalmente ortodoxa’’, sem perder o cargo (p. 15). Ocorreu isso com Libério.

b) O papa não perde o cargo ‘’ipso facto’’, porque ninguém pensou que Honório o perdeu deste modo (p. 15).

c) O papa pode errar em matéria de fé não definida (e enquanto ao Magistério ordinário e universal), como João XXII (p. 16).

d)Um bom teólogo e grande santo pode errar de boa fé, com boa intenção, como no Grande Cisma do Ocidente (p. 16).

e) Se pode celebrar a missa ‘’uma cum’’ um herege ou cismático, porque São Vicente Ferrer assim celebrou com relação aos papas Clemente VII e Bento XIII (p. 16).

* * *

Agora bem, o Direito da Igreja não vem de fatos [acontecimentos] concretos, senão do Direito divino interpretado pelo Magistério. É doutrina condenada pensar que o Direito consiste no direito material e que todos os fatos [acontecimentos] têm força de Direito (Pio IX – D.S. 2959). Nosso teólogo, todavia, além disto, passa dos acontecimentos de simples errantes acidentais a casos de hereges pertinazes em décadas no erro.

Sofisma! Nada nega que fora do Magistério supremo possa um papa errar acidentalmente, por curto tempo. Não é essa, entretanto, a definição de herege ‘’ex parte subjecti’’. Vejamos os ‘’casos’’ e as conclusões do teólogo lefebvriano:

a) No caso de Libério é inepto falar de ‘’forma não totalmente ortodoxa’’ ‘’ex parte materiae’’. Não existe termo médio entre verdade e falsidade. A equivocidade não é doutrina católica. Então, passa o teólogo da parte do sujeito, do ato de ‘’aceitar’’, de aderir com vontade de modo pertinaz ao erro, ao direito de aderir a doutrina ‘’não ortodoxa’’. Infere o ‘’direito’’ a liberdade religiosa para não seguir a verdade, senão o erro.

No caso da pessoa, se existe duvida se é mero errante ou herege, o Cânon 2315 dirime a questão de fato. Mas, de modo algum se pode inferir daqui o direito de heterodoxia parcial dentro da Igreja. ‘’A virtude sobrenatural da fé possui como causa formal a autoridade de Deus revelante [do Deus revelado] e não pode sofrer nenhuma distinção como esta.’’, isto é, admitir que ‘’formulas’’ não ortodoxas sejam admissíveis por direito na Igreja, livremente. Santo Hilário, São Jerônimo e Santo Eusébio julgaram Libério herético. O Magistério evoluiu depois de Libério. O Direito da Igreja é hoje explicito.

b) A heresia de Honório se tornou pública só depois de sua morte. Sérgio participava dela e não a denunciou como tal. Inclusive João IV entretanto tinha a Honório como de ‘’santa recordação’’ e a Sérgio ‘’de reverenda memória’’ (D.S. 496). Mas, Martinho I já ensina no Sínodo Lateranense (ano 649) que os hereges não tem jurisdição (D.S. 520). Assim, os Patriarcas que estavam ‘’uma cum’’ Honório, foram excomungados ‘’uma cum’’ Honório no VI Concílio Ecumênico por São Leão II.

c) A conclusão do teólogo sobre poder ‘’errar’’ em matéria não definida não discrimina entre erro e heresia. Erro é uma heresia material; mas a formalidade da heresia está na pessoa consciente do erro, que não faz desaparecer as causas de [da] suspeita.

Em quanto o Magistério ‘’ordinário e universal’’ da Igreja, ainda não definido, é matéria ‘’credenda’’ (D.S. 3011). O papa mesmo ‘’est ligatum ad doctrinam in S. Scriptura et in Traditione contentam’’ (D.S. 3116). Ele pode explicitá-la, defini-la, mas sempre ’'in eodem sensu'' da Tradição e jamais em sentido oposto. Se na Tradição existisse erro, ’erroris in homine ipsum esse auctorem Deum’’, ‘’quod aperte repugnat’’ [‘’Do erro do homem seria Deus o autor mesmo’’, ‘’o que repugna claramente’’] (Leão XIII – D.S. 3305). Eis aqui a contradição da Igreja ‘’imperfeita’’ e de credos não ortodoxos do lefebvrista: Deus seria o autor dos erros.

d) Ninguém nega a possibilidade de erro acidental, de boa fé, com boa intenção, nos teólogos e Santos do chamado Grande Cisma do Ocidente. Neste caso, não existia, como hoje, heresia pública por parte dos papas nem cisma formal por parte dos súditos. Existiam papas duvidosos. E vem ao caso mostrar contra o sentido da ‘’imunidade judicial’’, que os papas cismáticos podem ser julgados pela Igreja e afirmados ‘’ipso facto’’ e ‘’ipso jure’’ privados do cargo. Assim, na 37a sessão do Concílio de Constância, foi condenado Benedito XIII como:

‘’Schismaticum et haereticum, a fide devium et articuli fidei Unan Sanctam Ecclesiae Catholicae violatorem pertinacem (...), a Deo eiectum et praecisum et omni iure eidem in papatu (...) ipso iure privatum’’.

Hoje, essas notas da Igreja ‘’unam sactam’’ são igualmente violadas por Mons. Lefebvre e Mons. de Castro Mayer com a defesa do Hereticismo, da Igreja ‘’imperfeita’’ e ‘’pecadora’’.

e) Assim, sim São Vicente Ferrer celebrou missas ‘’uma cum’’ papas cismáticos, o que fez por erro acidental e se corrigiu depois. E, o fato não autoriza a defesa do direito de errar, de ter por ‘’válido’’ um papa de credo ‘’não totalmente ortodoxo’’. Hoje, os ‘’tradicionalistas’’ se dizem ‘’conscientes’’ dos ‘’erros’’ doutrinários de Roma, pertinazes durante décadas, e pretendem que ‘’nem por isso’’ ele perde o cargo: querem manter o poder em um não membro da Igreja, a pesar do delito público em matéria de fé. As missas ‘’uma cum’’ um papa não membro da Igreja são iguais a das dos patriarcas orientais Sérgio, Ciro, Pirro, Pedro, Paulo e Macário, que estavam ‘’uma cum’’ Honório I. Foram excomungados com o papa. Não basta ‘’resistir’’ em nome próprio.

Se conclui, pois, que o sacerdote lefebvriano depois de começar com ‘’opiniões’’ duvidosas de ‘’autores’’ que escolheu, acabou defendendo como ‘’certa’’ a Igreja hereticista, pecadora, imperfeita. Tertuliano acusa de ‘’fraudulenta’’ essa duvida do sacerdote lefebvriano.

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